Utilização de Casca de Soja em Dietas de Ruminantes

Introdução:

A alimentação é responsável pela maior fração nos custos de produção dos produtos de origem animal, representando cerca de 70% do custo total de um confinamento (Restle e Vaz, 1999) e variando entre 55 e 65% nos custos de produção de leite (Dias, 2001). Associado a este cenário tem-se também as constantes oscilações de preço dos insumos mais utilizados na alimentação animal como milho e soja, que variam conforme o ambiente de oferta e demanda.

Diante deste cenário, cada vez mais tem-se estudado a utilização de subprodutos da agricultura como alternativas de alimentos que substituam os grãos na dieta de ruminantes visando reduzir os custos de produção (Restle et al., 2004), escapando assim da concorrência com insumos também utilizados na alimentação humana e de aves e suínos.

A casca de soja é um subproduto obtido da industrialização do grão da soja (Glycine max) e vem ganhando destaque no cenário nacional devido a crescente produção brasileira de soja. O Brasil atualmente ocupa o segundo lugar mundial na produção do grão, tendo alcançado na safra de 2003/2004 uma produção de 49,71 milhões de toneladas (EMBRAPA, 2004).

O processamento do grão de soja inicia-se com a obtenção da soja crua e termina com a extração do óleo e outros sub-produtos como lecitina e farelo de soja. Segundo Rhee (2000), depois de classificado e limpo o grão de soja é seco até se alcançar cerca de 10% de umidade, sendo submetido à quebra e conseqüente separação da casca do embrião. Geralmente a casca da soja é submetida posteriormente ao processo de moagem e/ou peletização visando reduzir o custo de transporte, pois este produto apresenta uma baixa densidade de massa (170 Kg/m3 [Anderson et al., 1988]).

A casca de soja corresponde a cerca de 7 a 8% do peso do grão (Restle et al., 2004) e a sua retirada possibilita a obtenção de farelos de soja com cerca de 50% de proteína bruta (PB) ao invés de farelos com 42 a 45% de PB (Tambara et al., 1995). Com o advento das exportações de farelo pelas indústrias, estas têm que cumprir leis internacionais sobre um teor mínimo de proteína bruta neste produto, o que tem proporcionado que as indústrias retirem a casca que antes era incorporada ao farelo, levando assim a uma maior disponibilidade no mercado deste sub-produto.

A casca da soja possui um elevado teor de fibra, sendo esta de alta digestibilidade para ruminantes (Ipharraguerre e Clark, 2003) e sendo classificada como fonte não forrageira de fibra. Estas características aliadas à crescente disponibilidade do produto no mercado e aos preços competitivos têm resultado em uma ascenção na utilização deste em dietas de ruminantes tanto para substituição de grãos quanto de forragem.

O objetivo deste seminário é elucidar sobre as possibilidades de utilização da casca de soja na dieta de ruminantes.

Revisão de literatura:

Valor Nutricional da casca de soja

O valor nutricional da casca da soja é determinado principalmente pela composição química desta, que sofre grandes variações, como muitos dos sub-produtos agroindustriais, devido principalmente ao processamento de obtenção desta, que pode ou não apresentar resíduos do embrião da soja. Porém outros fatores também afetam a sua composição química como a falta de programas de controle de qualidade durante a obtenção de sub-produtos, diferenças genéticas entre plantas, diferenças no procedimento do plantio, meio-ambiente e condições durante o crescimento da cultura (Ipharraguerre e Clark, 2003).

A principal função de casca da soja é proteger o endosperma, apresentando portanto espessas paredes celulares (van Laar et al., 1999), o que reflete nos elevados teores de fibra em detergente neutro (FDN) e de fibra em detergente ácido (FDA) presentes neste sub-produto. Esta fração fibrosa, que contém altos teores de celulose e de hemicelulose, é pobremente lignificada, o que pode ser observado pelos baixos valores de lignina apresentados acima.

Avaliando a fração de carboidratos solúveis em detergente neutro, a pectina apresenta a maior fração (62%), enquanto amido (19%) e açúcares simples (19%) estão presentes em menor proporção (NRC, 2001).

A proteína da casca da soja, assim como a do farelo de soja, é uma rica fonte de lisina (0,71 a 0,72% da matéria seca) mas apresenta baixas concentrações de metionina e cistina (0,30 a 0,33% da MS [Cunningham et al., 1993]).

Cinética de digestão ruminal

As fontes de fibra diferem consideravelmente na efetividade física devido as diferenças no tamanho da partícula e consequentemente na retenção ruminal da fibra (Sudweeks 1981, citado por Grant 1997) podendo afetar assim o tempo de mastigação, o pH rumenal, a relação acetato:propionato, a digestibilidade da fibra da dieta e a ingestão de matéria seca. O NRC (1989) recomenda um mínimo de 25% de FDN na MS da dieta, sendo 75% deste proveniente de forragem. Porém, segundo Grant (1997) esta recomendação é inapropriada quando fontes não forrageiras de fibra como alguns subprodutos são fornecidas na dieta devido às características desta fibra.

Turino et al. (2004a) avaliando comportamento ingestivo de cordeiros confinados contendo como fonte adicional de fibra o bagaço de cana de açúcar ou casca de soja observaram que as dietas que continham bagaço de cana de açúcar promoveram maior atividade de ruminação (294 minutos/dia e 1,55 minutos/g de FDN) quando comparadas com as dietas com casca de soja (155 minutos/dia e 0,80 minutos/g de FDN). Weidner e Grant (1994) trabalhando com vacas leiteiras consumindo dietas em que a casca de soja substituiu em 25 e 42% da forragem da dieta controle (60% da MS) encontraram que a substituição da forragem reduziu o tempo de ruminação por Kg de FDN ingerido e que a dieta com maior inclusão da casca de soja reduziu a atividade mastigatória em 31% frente a dieta com 25% de substituição. A proporção molar de acetato produzido não foi afetada porém a produção de propionato aumentou com a inclusão de casca de soja.

Ipharraguerre et al. (2002b) trabalhando com níveis crescentes de substituição de milho por casca de soja em dietas de vacas da raça holandesa em lactação encontraram que a concentração de ácidos graxos voláteis no fluido ruminal aumentou linearmente quando se adicionou casca de soja na dieta. A proporção molar de acetato aumentou e a de propionato tendeu a declinar, resultando em um aumento significativo na relação acetato:propionato. O pH ruminal tendeu a reduzir quando se adicionou casca de soja na dieta porém os autores citam que o efeito não foi biologicamente significante. Mansfield e Stern (1994) encontraram que o uso de casca de soja em substituição a grãos não alterou o pH ruminal.

Os valores de digestibilidade da MS e da FDN assim como a taxa de passagem do alimento são variáveis importantes na determinação do valor nutricional deste. Anderson et al. (1988) encontraram valores de digestibilidade in vitro da MS de 66,6, 78 e 70,4% para casca de soja tostada, casca de soja tostada e moída e casca de soja inteira respectivamente, sendo atribuído a maior digestibilidade do alimento moído ao menor tamanho de partícula e maior área de contato. A taxa de degradabilidade da FDN in situ encontrada foi de 7,5%/h para o tratamento com a casca de soja moída não diferindo dos valores encontrados para os outros tratamentos. A fração de FDN indigestível após 96h foi de 4,7%. Quicke et al. (1959) mensuraram a digestibilidade in vitro da celulose e da fibra bruta da casca de soja e encontraram após 48 h valores de 96 e 97% respectivamente. Estes experimentos demonstram a alta digestibilidade da FDN deste alimento.

Alguns experimentos mensurando a taxa de passagem da casca de soja pelo rúmen foram realizados. Nakamura e Owen (1989) determinaram a taxa fracional de passagem (h-1) da casca de soja em vacas em lactação consumindo dietas contendo silagem de alfafa e concentrado (razão de 50:50 na MS) no qual a casca de soja substituiu o milho para fornecer 25 e 48% da MS da dieta. Foi relatada uma taxa de passagem 8% superior do tratamento com 48% frente ao tratamento com 25% de casca de soja (0,093/h e 0,10/h, respectivamente). Os autores atribuíram a esta variação como o maior fator que contribuiu para a menor digestibilidade aparente da FDN e da FDA da dieta com maior inclusão de casca de soja (58,7 e 55,3% respectivamente) frente a dieta com menor inclusão (63 e 61,9% respectivamente). Neste experimento as taxas de passagem da silagem de alfafa das dietas foram de 0,054/h e 0,055/h para as dietas com menor e maior inclusão de casca de soja, respectivamente. Anderson et al. (1988) encontraram que a taxa de passagem pelo rúmen foi superior para a casca de soja moída (4,5%/h) comparado à casca inteira (2,8%/h). Pode-se perceber que este alimento possui uma rápida taxa de passagem pelo rúmen o que pode contribuir para a redução da digestibilidade da dieta.

Ipharraguerre et al. (2002b) conduziram um experimento com vacas da raça holandesa em lactação no qual o casca de soja substituiu o milho da dieta base (46% forragem: 54% concentrado) para fornecer 10, 20, 30 e 40% da MS da dieta. Os autores encontraram que a percentagem da MS aparentemente digerida não foi afetada pelos tratamentos porém comparando com a dieta controle a dieta com 40% de casca de soja tendeu a deprimir a quantidade da MS digerida em 1,6 Kg/d. Ipharraguerre e Clark (2003) sugeriu que a digestibilidade da MS de dietas nas quais a fibra proveniente da casca de soja substitui os carboidratos não estruturais dos grãos podem permanecer inalterada se a quantidade ou a forma física da forragem dietética permitir aumento na digestão ruminal da fibra, através da maior retenção ruminal desta, que compense o efeito negativo da elevada taxa de passagem da casca de soja. Para isso é necessário um volumoso com alta efetividade física.

No mesmo experimento, Ipharraguerre et al. (2002b) encontraram que a quantidade de FDN e FDA digerida em todo o trato gastrointestinal foi maior para vacas alimentadas com casca de soja do que para a dieta controle e aumentou linearmente quando da adição do sub-produto. Porém as proporções de FDN e FDA digeridas no trato gastrointestinal foram similares entre os tratamentos. Comparando com a dieta controle, o aumento médio na digestibilidade da FDN para dietas que continha casca de soja foi de 11%. Gomes e Andrade (1998) trabalhando com bovinos confinados e níveis de substituição de milho (0, 50 e 100%) por casca de soja e três níveis de concentrado (30, 50 e 70% da MS) encontraram que a inclusão do sub-produto na dieta aumentou a digestibilidade da FDN e da FDA. Alguns autores sugeriram que estes resultados refletem a maior digestibilidade natural da FDN provinda da casca de soja e à redução do efeito negativo associativo do milho na digestão da fibra. Turino et al. (2004c) avaliando a digestibilidade aparente de dietas contendo alta proporção de concentrado e substituição da FDN do bagaço de cana-de-açúcar pela FDN da casca de soja para ovinos relataram que as dietas contendo casca de soja apresentaram maior digestibilidade da MS (88,8%) e da FDN (72,2%) quando comparadas com as dietas contendo bagaço de cana-de-açúcar (82,4 e 46,1% para digestibilidade da MS e da FDN respectivamente).

A fonte, quantidade e forma física da forragem afetam a utilização de fontes não forrageiras de fibra como a casca de soja (Grant, 1997). A complexa interação entre efetividade física, taxa de passagem e digestibilidade torna difícil a determinação da quantidade máxima ou ideal de substituição de grãos ou forragem para que se tenha o melhor resultado.

Desempenho de vacas leiteiras alimentadas com casca de soja

A utilização de casca de soja em dietas de vacas em lactação e sua influência na produção e composição do leite têm sido estudado por vários pesquisadores. Nakamura e Owen (1989) trabalharam com vacas com média de 32Kg de produção diária de leite e dietas compostas de silagem de alfafa e concentrado (50:50% na MS) que tiveram os alimentos do concentrado (90% milho; 6,4% farelo de soja; 3,6% minerais e vitaminas) da dieta controle substituído por casca de soja para fornecer 50 e 95% da MS do concentrado. Os autores encontraram que não houve diferenças entre os tratamentos para ingestão de MS e nem para leite corrigido para teor gordura, porém houve queda na produção de leite e na proteína do leite na dieta com maior inclusão de casca de soja. Assis et al. (2004) trabalhando com substituição de fubá de milho da dieta controle (30% da MS) por casca de soja encontraram que a total substituição do milho não afetou ingestão de MS, produção de leite e composição do leite.

Ipharraguerre et al. (2002a) trabalhando com níveis crescentes de substituição de milho por casca de soja (0, 10, 20, 30 e 40%) em dietas com 54% de concentrado encontraram que houve redução linear na ingestão de matéria seca à medida em que aumentava o nível de casca de soja, mas o maior decréscimo (~1Kg) ocorreu quando se forneceu mais de 30% da MS, sendo atribuído ao menor fornecimento de fibra efetiva e aumento na concentração de ácidos no rúmen. A produção de leite só foi afetada negativamente no tratamento com maior nível de casca de soja e a percentagem de gordura do leite aumentou linearmente quando se adicionou o sub-produto.

Weidner e Grant (1994) avaliando substituição de 25 e 42% da forragem dietética (silagem de milho e de alfafa) por casca de soja em dietas de vacas leiteiras composta de 60% de volumoso observaram que a inclusão de casca de soja não afetou a produção de leite porém reduziu a produção de gordura do leite e consequentemente a produção de leite corrigido para teor de gordura; aumento na produção de proteína do leite foi relatado. Este trabalho sugere que a substituição de fonte forrageira por casca de soja não apresenta resultados satisfatórios que justifiquem a inclusão deste subproduto.

Desempenho de bovinos confinados alimentados com casca de soja

Restle et al. (2004) avaliando o efeito de níveis crescentes de substituição do grão de sorgo por casca de soja sobre o desempenho de bovinos em confinamento que recebiam dieta com 40% concentrado na MS encontraram redução linear no consumo diário de MS quando se adicionou casca de soja na dieta porém melhores ganho de peso e conversão alimentar foram observadas em relação às dietas que continham somente sorgo. Fisher et al. (1990) avaliando o efeito da substituição crescente do grão de milho por casca do grão de soja até o nível de 75% observaram que o desempenho dos animais em condições de engorda moderada (em torno de 1Kg de peso vivo/dia) não foi afetado.

Desempenho de ovinos alimentados com casca de soja

Turino et al. (2004b) usando como fonte de FDN da dieta casca de soja ou bagaço de cana-de-açúcar encontraram que os cordeiros alimentados com casca de soja apresentaram maior ganho de peso diário (252,4 g/dia) em relação aos animais alimentados com bagaço de cana-de-açúcar (219,8 d/dia).

Considerações finais:

A inclusão de casca de soja até o nível de 30% da MS da dieta em substituição ao milho de dietas com altos níveis de concentrado (>50% da MS) pode ser realizado sem efeitos negativos no desempenho produtivo de vacas de leite. Porém deve-se ter como fonte volumosa um alimento com elevada efetividade física. A substituição de fonte forrageira pela casca de soja não apresenta efeitos positivos.

A casca de soja pode substituir integralmente o milho na alimentação de bovinos confinados sem comprometer o desempenho.

A crescente oferta deste subproduto aliada ao seu valor nutricional e preços competitivos poderá trazer um aumento no uso do mesmo na alimentação de ruminantes.

Marcelo Neves Ribas e Fernando Pimont Pôssas Material disponibilizado pelo Prof. Marcelo Neves Ribas

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Atualizado em: 8 de outubro de 2018

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